A realidade sobre o abuso infantil online

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A realidade sobre o abuso infantil online

A internet, redes sociais e plataformas digitais estão presentes no cotidiano de muitas crianças e adolescentes com o objetivo de facilitar a comunicação, além de ser um meio de entretenimento. Mas essas ferramentas, sem supervisão, podem ser perigosas.

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Uma pesquisa realizada pelo Instituto Global de Segurança Infantil em 2023 (Childlight Global Child Safety Institute) revelou pela primeira vez, em escala global, os números de exploração sexual e abuso infantil na internet: mais de 300 milhões de crianças por ano são vítimas desse tipo de violência.

Isso significa que uma em cada oito crianças no mundo foram alvo de captura, exposição ou compartilhamento de imagens com conteúdo sexual. A pesquisa baseia-se em dados de mais de 36 milhões de relatórios de organizações policiais, denúncias e análises de 125 estudos de todos os países. As denúncias reportadas incluiam conversa sexual indesejada, contendo envio de conteúdo erótico de fotografias e vídeos e solicitações de atos sexuais por adultos ou outros jovens. Os delitos também podem assumir uma forma de extorsão sexual, quando os predadores exigem dinheiro das vítimas para manter as imagens privadas, utilizando a tecnologia deepfake (técnica que permite alterar um vídeo ou foto com ajuda de inteligência artificial).

Os pesquisadores identificaram que o Oriente Médio, a Europa Ocidental e a América do Norte são as regiões onde a maioria das notificações de remoção são enviadas para ação das autoridades. No entanto, as análises revelam que há uma falta de dados de relatórios em todas as partes da África, América Latina e Caribe, o que sugere que essas regiões precisam de mais estudos e suporte. A real dimensão da exploração e do abuso sexual de crianças online nesses países é provavelmente maior, uma vez que muitos deles não são denunciados. Dos dados analisados, a América Latina e o Caribe hospedam e carregam em plataformas 9,9% do material de abuso sexual infantil online do mundo.

O papel da tecnologia na prevenção e combate ao abuso infantil

A exploração sexual infantil na internet é uma realidade preocupante que aumenta a cada ano. Esse crime é um roubo à dignidade e humanidade da vítima, reduzindo sua existência às imagens de seu abuso. Entretanto, da mesma maneira que o avanço da tecnologia resulta no aumento de propagação e crimes online, ela também pode ser uma aliada no combate a esse tipo de violência. A Organização Internacional de Polícia Criminal, a Interpol, utiliza a tecnologia digital como mecanismo para investigar os casos de abuso online e solucionar crimes.

Seu banco de dados contém mais de 4,9 milhões de imagens e vídeos e já ajudou a identificar 41.900 vítimas em todo o mundo. Usando software de comparação de imagens e vídeos, os investigadores conseguem fazer conexões entre vítimas, abusadores e lugares. A tecnologia evita a duplicação de esforços e economiza tempo ao permitir que os investigadores saibam se uma série de imagens já foi descoberta ou identificada em outro país. Ela também permite que os profissionais de mais de 68 países troquem informações e compartilhem dados com seus colegas em todo o mundo.

O perito criminal Tiago Alves explica que a polícia brasileira também utiliza softwares para a investigação de crimes online e extração de conteúdos apagados no Brasil. "Existem policiais infiltrados na deep web (páginas da internet compostas por sites, fóruns e comunidades que frequentemente discutem assuntos ilegais e imorais, onde os motores de busca têm dificuldade em identificar ou acessar) que interagem com pedófilos e uma equipe que atua na identificação dos computadores de onde esteja sendo compartilhado material pornográfico infantil", esclarece. Ao analisar o conteúdo digital, os especialistas podem recuperar pistas, identificar qualquer sobreposição de casos e combinar seus esforços para localizar vítimas de abuso sexual infantil.

Segurança digital: protegendo as crianças no ambiente virtual

São muitos os recursos disponíveis para o controle parental. As ferramentas são resumidas em quatro categorias: filtros de conteúdo, que estabelecem limites de acesso; controle de uso, que são regras para utilização de aplicativos por tempo; controle das configurações de gerenciamento, que protege as configurações de software; e o monitoramento, que rastreia e descreve as atividades executadas.

Além dos sofisticados recursos tecnológicos, o diálogo ainda se destaca como a base da confiança e segurança familiar. A psicóloga infanto-juvenil Isabella Müller descreve a importância de estabelecer limites e orientar as crianças sobre os riscos que elas podem correr acessando a internet. "É fundamental que o diálogo faça parte da rotina da família. Os pais devem conversar sobre o uso da internet, mencionar os benefícios e consequências da má utilização. A orientação sobre o tipo de conteúdo apropriado para crianças precisa ser clara, porque a simples curiosidade pode motivá-los a acessar, revela.

A psicóloga também alerta sobre o compartilhamento de informações privadas na internet. "Os pais devem instruir sobre quais dados pessoais devem ser protegidos, não compartilhar o nome completo, data de nascimento e outras informações confidenciais, por exemplo. Às vezes na ingenuidade, a criança pode revelar até os dias que fica sozinha em casa, então, é preciso ter cuidado em relação ao que falam na internet", finaliza.

Ainda sobre a exposição das crianças online, Jacqueline declara que a cada dia evita mostrar mais sobre as crianças nas redes sociais. "No início, havia muita inocência da nossa parte em compartilhar as memórias, pensando na família para acompanhar o crescimento, mas, as pessoas passaram a ter a sensação que os conheciam. Muitas vezes, faziam abordagens em programações, e eles se sentiam constrangidos, então, decidi compartilhar menos sobre eles", completa.

O chat em jogos online é uma ferramenta muito comum para a comunicação dos jogadores, mas também pode esconder alguns perigos. Jacqueline Palheiro, influenciadora digital e mãe de dois meninos de 7 e 8 anos de idade, explica que, como medida de segurança, não permite que os filhos se conectem para jogar. "A gente não sabe quem está do outro lado da tela, mesmo nos jogos que são bobos ao nosso olhar. Não há como controlar quem pode estar se comunicando com eles", avalia. Ela também relata que os pequenos não possuem celular próprio e que quando utilizam a internet possuem autorização e a usam com recurso de restrição de tempo.


Caso os pais encontrem algo inapropriado nas conversas dos filhos, Isabella orienta que a criança precisa entender os riscos que correu. "Ainda tido como um tabu, esse assunto é importante e precisa ser conversado com a criança. Mesmo causando desconforto, os pais não devem ignorar o que viram e podem buscar ajuda profissional para uma melhor orientação", pontua.

Cibersegurança e controle parental: barreiras contra o abuso online

Para auxiliar os pais e minimizar os riscos, recursos de controle parental são disponibilizados por dezenas de aplicativos, tanto para celulares quanto também para plataformas de streaming e televisão. Como perito criminal atuante nesta área, Tiago Alves traz ainda outras orientações para proteger as crianças enquanto usam a tecnologia em casa:

1- Esteja atento aos programas e aplicativos que seus filhos têm acesso, principalmente jogos online e com quem eles mantém interações.

2- Oriente seus filhos sobre o monitoramento parental e explique o porquê você está acessando a rede dele. Demonstre interesse genuíno pelas pessoas que eles têm contato e estabeleçam limites juntos. Por meio da conversa, vocês criarão um ambiente de confiança.

3- Mantenha sempre os computadores, tablets e dispositivos em áreas comuns para que você consiga visualizar o que ele está acessando. Embora muitos queiram privacidade, explique que é essencial para a segurança deles.

4- Bloqueie sites específicos e palavras-chave nos celulares e dispositivos que as crianças acessam. Estabeleça limites de tempo de tela de acordo com a idade de cada um.

5- Cuidado com a exposição das redes sociais. Os posts não podem compartilhar a intimidade dos adolescentes. Evite que as pessoas más-intencionadas desvendem os detalhes da rotina da sua família.

6- É essencial incentivar momentos fora das redes, desconectados, para que a realidade não seja confundida com a vida online. É preciso criar um espaço seguro para as crianças no ambiente online e combater a exploração e o abuso sexual infantil. Sem o devido monitoramento, a internet é um local de risco para crianças e adolescentes. Para combater esses crimes é preciso que pais, responsáveis, educadores e toda comunidade trabalhem juntos para proteger as crianças

Não seja um espectador silencioso

A Aliança Global WeProtect lançou em 2023 o Relatório de Avaliação Global de Ameaças (Global Threat Assessment 2023), que revelou um aumento de 87% nos casos relatados de material online indicando abuso sexual infantil desde 2019. Os resultados ressaltam a necessidade de uma ação conjunta e abrangente.

O abuso sexual infantil não se restringe apenas ao contato físico. Ele também pode incluir abuso sem contato, como exposição e pornografia infantil. Isabelle explica que ambos impactam negativamente a vida das vítimas. "As experiências podem ser traumáticas e devastadoras no mesmo nível", assegura a psicóloga.

Se você suspeita de abuso sexual infantil, denuncie imediatamente. Sua ação pode salvar vidas. A  SaferNet Brasil é uma organização social que  recebe denúncias anônimas de crimes e violações contra os Direitos Humanos na internet, incluindo pornografia infantil. Caso encontre imagens, vídeos, textos, músicas ou qualquer tipo de material online que seja atentatório aos Direitos Humanos, denuncie.

É possível denunciar, também, nos aplicativos de mensagens instantâneas como Telegram e WhatsApp. Para utilizar o canal, basta apenas digitar “Direitoshumanosbrasilbot” na busca do aplicativo. A indicação “bot” é uma regra do Telegram para a criação de contas de serviço, ou denuncie no WhatsApp pelo número (+55) 61 9611-0100.

Fontes:
Childlight – Global Child Safety Institute. Into the Light Index on Child Sexual Exploitation and Abuse Globally: 2024 Report. Edinburgh: Childlight, 2024.

WEPROTECT. Global Threat Assessment 2023. Disponível em: https://www.weprotect.org/wp-content/uploads/Global-Threat-Assessment-2023-PT.pdf. Acesso em: 02 jul. de 2024.

UNSW. More than 300 million child victims of online sexual abuse globally: report. Disponível em: https://www.unsw.edu.au/newsroom/news/2024/05/more-than-300-million-child-victims-of-online-sexual-abuse-globally-report. Acesso em: 01 jul. 2024.

INTERPOL. International Child Sexual Exploitation database. Disponível em: https://www.interpol.int/Crimes/Crimes-against-children/International-Child-Sexual-Exploitation-database. Acesso em: 01. jul. 2024.

ECONOMIST IMPACT. Global survey: The economy's human cost. Disponível em: https://www.weprotect.org/economist-impact-global-survey/#report. Acesso em: 03 jul. 2024

WIKIPEDIA. Controles dos pais. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Controles_dos_pais. Acesso em: 03 jul. 2024.