Segundo divulgado pela BBC, o “Mapa da Violência 2017”, estudo publicado anualmente a partir de dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, um olhar atento diante de uma série histórica mais longa de dados permite ver que o fenômeno do suicídio na adolescência e juventude não é recente nem isolado em relação ao que acontece com a população brasileira. Em 1980, a taxa de suicídios na faixa etária de 15 a 29 anos era de 4,4 por 100 mil habitantes; chegou a 4,1 em 1990 e a 4,5 em 2000. Assim, entre 1980 a 2014, houve um crescimento de 27,2%.
“É como se os suicídios se tornassem invisíveis, por serem um tabu sobre o qual mantemos silêncio. Os homicídios são uma epidemia. Mas os suicídios também merecem atenção porque alertam para um sofrimento imenso, que faz o jovem tirar a própria vida”, alerta Waiselfisz, coordenador da Área de Estudos da Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).
Para muitos especialistas, o suicídio juvenil tem contornos epidêmicos. E, para a Organização Mundial de Saúde, precisa “deixar de ser tabu”: segundo estatísticas do órgão, tirar a própria vida já é a segunda principal causa da morte em todo mundo para pessoas de 15 a 29 anos de idade (somente os acidentes matam mais adolescentes e jovens).
O suicídio refere-se ao desejo consciente de morrer e à noção clara do que o ato executado pode gerar (Araújo et al., 2010). O comportamento suicida pode ser dividido em três categorias:
a) Ideação suicida (pensamentos, ideias, planejamento e desejo de se matar);
b) Tentativa de suicídio;
c) Suicídio consumado.
A ideação suicida é um importante preditor de risco para o suicídio, sendo considerada o primeiro “passo” para sua efetivação (Werlang et al., 2005). Assim, a decisão de cometer suicídio não ocorre de maneira rápida, sendo que com frequência o indivíduo que comete o suicídio manifestou anteriormente alguma advertência ou sinal com relação à ideia de atentar contra a própria vida. Da mesma forma, a literatura aponta que existe uma grande probabilidade de, após uma primeira tentativa de suicídio, outras virem a surgir, até que uma possa ser fatal (Borges et al., 2008; Dutra, 2002; Espinoza-Gomez et al., 2010). Portanto, a trajetória estabelecida entre a ideação suicida, tentativas e concretização da morte pode oferecer um tempo propício para a intervenção (Krüger e Werlang, 2010).
Autores como Bahls e Bahls, 2002; Baptista, 2004; Freitas e Botega, 2002; Kokkevi et al., 2010 sustentam que a presença de sintomas depressivos - como sentimentos de tristeza, desesperança, depressão, falta de motivação, diminuição do interesse ou prazer, perda ou ganho significativo de peso, problemas de sono, capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, dentre outros - é um importante fator de risco para o suicídio e de que a adolescência é considerada um período propício tanto para a ideação quanto para as tentativas de suicídio, principalmente quando associada à depressão (Araújo et al., 2010).
Dutra (2002) considera que a solidão é um sentimento muito comum em adolescentes que tentam o suicídio. Tais jovens relatam sentir falta de ter amigos e reclamam não ter ninguém para dividir experiências e tristezas, apresentando maior probabilidade de desenvolver problemas emocionais, comportamentais e afetivos. Prieto e Tavares (2005) constataram que a falta de convivência com amigos durante a infância ou a adolescência pode constituir-se como fator de risco ao suicídio, pois as trocas afetivas entre eles, nesta fase do desenvolvimento, reduzem o impacto das experiências adversas. Nesse sentido, Rivers e Noret (2010) investigaram as implicações da exposição ao bullying nos pensamentos suicidas de cerca de 2000 adolescentes ingleses que desempenhavam diferentes papéis sociais no bullying (agressores, vítimas ou testemunhas). Os resultados indicaram que a maioria dos adolescentes do estudo já havia se envolvido em episódios de bullying na escola seja como agressores, vítimas, testemunhas ou uma combinação destes três papéis sociais.
Especificamente com relação ao suicídio adolescente, alguns estudos destacam os seguintes fatores que podem constituir-se como risco: isolamento social, abandono, exposição à violência intrafamiliar, história de abuso físico ou sexual, transtornos de humor e personalidade, doença mental, impulsividade, estresse, uso de álcool e outras drogas, presença de eventos estressores ao longo da vida, suporte social deficitário, sentimentos de solidão, desespero e incapacidade, suicídio de um membro da família, pobreza, decepção amorosa, homossexualismo, bullying, locus de controle externo, oposição familiar a relacionamentos sexuais, condições de saúde desfavoráveis, baixa autoestima, rendimento escolar deficiente, dificuldade de aprendizagem, dentre outros (Avanci et al., 2005; Baptista, 2004; Borges e Werlang, 2006; Cassorla, 1991; Dutra, 2002; Espinoza-Gomez et al., 2010; Kokkevi et al., 2010; Meneghel et al., 2004; Prieto e Tavares, 2005; Toro et al., 2009; Werlang et al., 2005).
Outro dado bastante preocupante: um estudo realizado nas universidades de San Diego e do Estado da Flórida dá conta de a taxa de suicídio entre meninas de 13 a 18 anos disparou 65% entre 2010 e 2015. O número de meninas que experimentam sentimentos de desesperança, que pensaram em acabar com a própria vida e chegaram a tentar aumentou 12%. E os relatos de sintomas depressivos graves entre as meninas também se tornaram 58% mais comuns. A maior mudança observada na vida desses jovens entre 2010 e 2015, segundo a equipe, foi, sem dúvida, o aumento do tempo gasto na internet em detrimento de horas investidas em outras atividades, como estudos, exercícios ou interações sociais. Ou seja: tudo indica que essa nova rotina é prejudicial à saúde mental.
Percebemos, assim, que os sinais que apontam para o suicídio estão muito bem estabelecidos. Isso nos leva a uma conclusão: tantas e tantas mortes não devem ser consideradas como algo surpreendente. Devemos estar atentos a cada mudança de comportamento de meninos e meninas e trabalhar com as intervenções mais que necessárias.
Alguém que está em risco de cometer suicídio deseja e precisa ser ouvida, afinal ela se encontra cheia de conflitos e dúvidas e desabafar com alguém é a melhor forma de dissipara esses problemas. Algumas dicas, além do necessário encaminhamento a profissionais habilitados:
a) Encontre um ambiente adequado para conversar. É necessário que a pessoa se sinta segura para falar, que não aja risco de interrupções e da presença de “curiosos” e “palpiteiros”;
b) Fale sobre a ideia de cometer suicídio: ao contrário do que as pessoas pensam falar sobre morte e suicidio não vai reforçar o desejo do suicídio, ao contrário, ajuda o suicida a compreender melhor a os pensamentos e entender que essa não é a única e nem a melhor solução;
c) Ouça de verdade: esse é um tipo de diálogo que precisa de toda sua atenção (não adianta ficar olhando para a cara do outro e ficar “viajando na maionese”). É necessário escutar e compreender o que o outro está lhe dizendo;
d) Deixe de lado a crítica: o suicida já possui uma carga muito grande de culpa e não precisa que você coloque mais disso sobre ele. Ao invés disso tente ser empático e compreender como ele está se sentindo
e) Valorize a vida: NÃO existe na face da terra nenhum motivo bom ou forte o suficiente para se cometer suicídio. Por isso nunca pense: “No lugar dele acho que eu faria a mesma coisa”. Por maior que seja um problema ele sempre acaba, existe sempre uma alegria e um prazer capaz de superar qualquer dor ou tristeza equivalente;
f) Reserve tempo: o suicida pode necessitar de muito tempo para expor todos os seus conflitos e mais tempo ainda para mudar de ideia;
g) Vá além das palavras: um abraço, segurar as mãos ou um toque nas costas ajuda a outra pessoa a se sentir compreendida e apoiada;
h) Diga sempre que está à disposição a qualquer tempo que necessitar ser ouvido ou ajudado.
Referências
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