Seja por meio de imagens (fotos e vídeos), seja por meio do texto que induz à imaginação de cenas, os conteúdos pornográficos transmitem uma mensagem que está além dos corpos nus e dos jogos sexuais.
Acabo de ler uma entrevista concedida por E. L. James, autora do livro Cinquenta Tons de Cinza, uma matéria com declarações da atriz Dakota Johnson (que interpreta a mocinha do filme que leva o mesmo nome do livro) e de assistir a uma entrevista concedida pela psicóloga Vanessa Oliveira sobre este mesmo livro. Algumas coisas chamaram a minha atenção:
- A resposta de E. L. James, ao ser perguntada se seus filhos demonstraram algum interesse na leitura de Cinquenta Tons – Além de dizer que não, seus filhos não têm interesse na leitura, a autora diz que isto é um alívio para ela, e que nem deseja imaginar seus filhos lendo este livro.
- A declaração de Dakota Johnson de que não quer que sua família, ou os amigos de seu irmão, com os quais cresceu, vejam o filme, pois isso é inapropriado, segundo a atriz.
- A declaração de Vanessa, “o livro é bastante denso, pesado e ele perturba”. A psicóloga relatou ter tido pesadelos e perturbações noturnas enquanto lia o livro, e que não recomenda esta leitura a ninguém.
Ao mesmo tempo que o conteúdo do livro é (curiosamente) não recomendado, sua influência é perceptível. São várias as matérias em sites de notícias que relatam como o livro Cinquenta Tons de Cinza despertou o interesse de pessoas nas práticas sadomasoquistas, e como tornou-se uma “febre” entre clientes de sexy shop a busca por instrumentos que possam ser utilizados em práticas sadomasoquistas, especialmente os objetos citados no livro.
O sadomasoquismo, sob o código F65.5, recebe a seguinte descrição no CID-10 (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde): “Preferência por um atividade sexual que implica dor, humilhação ou subserviência. Se o sujeito prefere ser o objeto de um tal estímulo fala-se de masoquismo; se prefere ser o executante, trata-se de sadismo. Comumente o indivíduo obtém a excitação sexual por comportamento tanto sádicos quanto masoquistas.”
Em um estudo realizado por Ana Bonomi, da Universidade Estadual de Ohio, e colaboradoras, encontramos o seguinte:
"Embora a violência cometida pelos parceiros afete 25% das mulheres com prejuízo para sua saúde, as condições sociais atuais – com a normalização do abuso na cultura popular através de romances, filmes e músicas – criam o contexto que sustenta tal violência”
“Nossa análise identificou padrões em Cinquenta Tons de Cinza que refletem violência generalizada por parceiro íntimo – um dos maiores problemas do nosso tempo.”
"Este livro perpetua os padrões de abuso perigosos e, no entanto, se apresenta como uma história romântica e erótica para as mulheres”.
Quando falamos em lutar contra a violência, em todas as suas formas, filmes e leituras como estes devem nos preocupar. Isto porque (1) reforçam ideias de agressividade contra mulheres dentro das relações íntimas, inclusive atribuindo aos comportamentos violentos uma fonte de prazer; (2) distorcem o conceito de submissão feminina que contribui para um relacionamento amoroso saudável, chamando de submissão a sujeição à violência; (3) tornam “interessantes" as práticas sexuais vinculadas a problemas de ordem mental, como é o caso do sadomasoquismo, o que contribui para que a integridade física, mental e moral de mulheres estejam em risco.
Livros e filmes são formas eficazes de perpetuar ideias e tornar familiares às nossas mentes conceitos e práticas. Ainda que à primeira vista possa ser perturbador, um conteúdo (como o pornográfico) repetidamente visto, lido ou assistido, torna-se natural com o tempo, e as ideias transmitidas por ele convertem-se em atitudes e ações. Se lutamos contra a violência, precisamos lutar contra aquilo que a sustenta!