Entrevista: Wiliane Marroni - Campanha 2012

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Entrevista: Wiliane Marroni - Campanha 2012

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É hora de quebrar o silêncio!

O que a igreja pode fazer para ajudar as vítimas de violência

Wiliane Marroni, líder sul-americana do projeto Quebrando o Silêncio

Wiliane Steiner Marroni é natural de Jacarezinho, norte do Paraná. Casada há 30 anos com o pastor Almir Marroni, tem duas filhas: Maressa, médica, formada pela Universidade Adventistas del Plata; e Mailen, fisioterapeuta, formada pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). Graduou-se na área educacional, tendo trabalhado por vários anos em diferentes cidades do Sul do Brasil. Atuou como secretária na União Sul-Brasileira (por dois anos) e na Divisão Sul-Americana (por cinco anos). Nos últimos seis anos, Wiliane tem liderado o departamento do Ministério da Mulher da Divisão Sul-Americana.

Revista Adventista: Fale sobre as estatísticas da violência contra crianças, mulheres e idosos no Brasil.
Wiliane Marroni: O número de casos de violência no Brasil aumenta a cada ano. De acordo com o Ministério da Saúde, em seis anos foram registrados 5.049 homicídios de crianças com idade até 14 anos. Em pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudos da Criança, do departamento de Psicologia da USP, foram notificados 159.754 casos de violência doméstica contra crianças, entre 1998 e 2007.

Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância mostram que 80% das agressões físicas contra crianças e adolescentes foram causados por parentes próximos. De acordo com o Unicef, de hora em hora uma criança morre queimada, torturada ou espancada pelos próprios pais. Quanto à violência contra a mulher, a Agência Patrícia Galvão informou que, de 1980 a 2010, 91 mil mulheres foram assassinadas no Brasil – 43,5 mil somente nos últimos dez anos. O número de mortes nos últimos 30 anos saltou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6%.

R.A: Existem casos de violência nas famílias adventistas? Quais são os tipos mais comuns? Como se pode detectar esse problema no âmbito da igreja?
W.M: Infelizmente, há, sim. De acordo com informações obtidas pelo Departamento do Ministério da Mulher, os tipos mais comuns são: violência verbal e emocional, podendo chegar ao extremo da violência física e sexual. No âmbito da igreja, os casos são mais detectados durante a campanha “Quebrando o Silêncio”, em palestras nas igrejas, fóruns, etc., e nas reuniões de oração intercessora.

Um líder atento poderá detectar vítimas de violência por meio dos sinais deixados por elas. Ao proporcionar às mulheres ambiente de segurança e confiabilidade, a liderança terá condições de perceber suas necessidades, para, então, poder ajudá-las.

R.A: Relate um caso de abuso sem revelar o nome da pessoa envolvida. Como a igreja lidou com esse problema?
W.M: Um dos casos relatados em nossa pesquisa ocorreu em 2011, com duas irmãs: uma de oito anos e outra de quatro anos. O agressor era o tio, o “protetor” da família. O molestador foi preso e o fato dividiu a família e a igreja, pois a esposa dele era membro da igreja. No primeiro momento, a liderança da igreja desconfiou das histórias contadas pelas meninas. Não houve tratamento adequado às vítimas e aos pais. Felizmente, a família buscou ajuda e foi atendida por uma psicóloga adventista e por um irmão leigo, advogado, que se dispôs a cuidar do caso gratuitamente.

A garotinha mais velha, que havia guardado o segredo por causa de ameaças, foi a que mais demorou para se recuperar do trauma. Seu rendimento escolar era péssimo, ela sentia desinteresse total pela vida, insegurança e timidez graves, e tinha baixíssima autoestima. Mas ninguém percebia esses sinais!
Quando a cadeia do silêncio foi quebrada pela irmã menor, ajudada pelos pais e pela psicóloga cristã, a vida delas foi gradativamente se recompondo.

No caso de abuso contra crianças, mencione os principais indícios da ocorrência do problema, a fim de que as pessoas responsáveis tomem as devidas providências.
Alguns indícios do abuso físico podem aparecer em queimaduras, contusões, hematomas, mordidas, entorses, deslocamento de extremidades, cortes, perfurações, lesões internas, etc. É importante saber que nem sempre esse tipo de violência deixa marcas. Frequentemente, representa castigo corporal severo que ocorre quando o adulto se sente frustrado, furioso e bate na criança ou a empurra violentamente.

Abandono e negligência consistem em faltar aos deveres de prover adequadamente abrigo, alimentação, vestuário, educação, cuidados médicos, etc., não considerando as necessidades básicas para o desenvolvimento das capacidades físicas, intelectuais e emocionais da criança.

Já a violência emocional pode se apresentar por meio de insulto, crítica, ameaça, humilhação, menosprezo, descrédito e zombaria. É importante nos lembrarmos de que pode ocorrer violência emocional ou psicológica sem violência física, mas na ocorrência desta, sempre há violência emocional.

Por último, o abuso sexual (a meu ver, esse é o tipo de violência mais grave). De acordo com especialistas, os sinais de alerta apresentados pela vítima de violência são: perda da fala; dificuldades para caminhar; roupas rasgadas, manchadas de sangue; ausência ou atrasos na escola; descuido para com o corpo e as roupas; crescimento deficiente, baixo peso; problemas alimentares, comer demais ou de menos; urinar na roupa ou na cama depois dos sete anos, quando não há nenhum problema físico visível; fezes e urina pela casa; cansaço, sonolência, agitação noturna, pesadelos; poucas relações de amizade; dificuldades de concentração na escola ou no trabalho; prostituição; comportamento agressivo, autodestrutivo, tímido, submisso, retraído; tristeza constante, choro frequente, pensamentos suicidas; prática de delitos (pequenos furtos); uso de drogas ou álcool; medo de ficar só ou na companhia de determinadas pessoas; fugas de casa; dizer que foi ou está sendo atacada.

R.A: Por que a maioria das vítimas de abuso mantém o silêncio? O que dizem os especialistas sobre a necessidade de se quebrar essa barreira?
W.M: A primeira frase que encontrei, após ler vários testemunhos de vítimas de violência, foi: “Sempre tive medo de que não acreditassem em mim.” Essa é a primeira barreira enfrentada pela vítima e, infelizmente, os especialistas afirmam que o mais comum são as mães não acreditarem nos filhos ou mesmo serem coniventes em relação à violência, preferindo ficar ao lado do marido, no caso de uma denúncia.

Outro fator que leva as vítimas a manter o silêncio é a proximidade da vítima com o agressor. Mais de 80% dos abusadores estão dentro da própria casa, como os pais, padrastos e irmãos. Por causa das relações de afetividade, grande parte dos abusos é acobertada ou então a denúncia é retardada, levando a vítima a sofrer por mais tempo.

Autoridades afirmam que um dos instrumentos mais efetivos no sentido de romper o silêncio da prática do crime de abuso e violência tem sido o Disque Denúncia 100 (para crianças) e 180 (para mulheres). Esse é um instrumento nacional, que garante o anonimato e a proteção ao denunciante, bem como a rapidez no atendimento.

R.A: Faz alguns anos que o Ministério da Mulher vem conscientizando os líderes e membros da Igreja Adventista sobre a necessidade de se engajar na campanha “Quebrando o Silêncio”. Faça um balanço dos resultados obtidos até agora.

W.M: Crescemos bastante nos últimos dez anos. No calendário da igreja, foi separado o quarto sábado do mês de agosto para que pudéssemos tratar desse tema. No início, não houve muita adesão por parte da igreja. Mas, pouco a pouco, a campanha vem ganhando forma e força. Hoje, temos uma igreja preocupada em participar, apoiar as ações do projeto com a colaboração de voluntários e dos departamentos, e, em muitos lugares, temos uma igreja preparada para diagnosticar e atender casos de abuso entre seus membros.

Falando no âmbito externo, temos a alegria de ver as autoridades reconhecendo a importância da campanha e nos dando apoio. Crescemos na divulgação por parte dos veículos de comunicação e estamos ganhando cada dia mais notoriedade na comunidade.

Em muitos lugares, a Igreja Adventista só ficou conhecida após a campanha “Quebrando o Silêncio”. Muitas comunidades e denominações têm aberto suas portas para o evangelho porque nossa igreja tem usado o médoto estratégico de Cristo, descrito no livro Obreiros Evangélicos, página 363.

R.A: O que os pastores e líderes das igrejas locais podem fazer para ajudar?
W.M: Eles precisam acreditar cada vez mais no projeto, participar dele, motivá-lo e divulgá-lo, a fim de que os membros unam forças para realizar uma campanha que tem salvado e restaurado vidas. Além disso, nossas igrejas deveriam ter uma relação de profissionais prontos a ajudar em casos de abuso.

É preciso trabalhar em conjunto com os demais departamentos da igreja. Muitas vezes, vejo líderes com vontade de coordenar o programa, mas acabam sozinhos. O programa termina sem ter a mesma força ou o mesmo alcance que poderia ter se os demais departamentos se unissem.

Em meu coração, tenho um sonho (e sei que algumas igrejas j�� estão trabalhando nele): o de estabelecer centros de atendimento para as vítimas de violência doméstica. Temos inúmeros profissionais dentro de nossas igrejas que poderiam dedicar parte de seu tempo para atender aqueles que necessitam.

R.A: Diga uma palavra de orientação, alerta e conforto às vítimas de abuso. O que Deus promete a essas pessoas sofredoras?
W.M: Ao menor sinal de abuso e violência, procure ajuda. Denuncie! Busque os órgãos competentes, os centros especializados que darão toda a orientação e ajuda de que você necessita. Lute com todas as suas forças contra o “medo” e o “silêncio”. Se lhe faltar coragem, procure um(a) amigo(a) e peça ajuda. O plano de Deus para Seus filhos é que eles vivam num lugar em que tristeza, dor e sofrimento não mais existirão, pois “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor” (Ap 21:4, NVI).

Wiliane Marroni foi entrevista por Rubens Lessa e saiu na Revista Adventista deste mês.