A educação e o combate ao abuso infantil

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A educação e o combate ao abuso infantil

A proteção das crianças contra o abuso sexual recai não apenas sobre os órgãos de segurança pública e instituições de assistência social, mas também sobre as escolas, pais e responsáveis.

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Utilizar a educação como um método de combate é uma maneira eficiente para promover a segurança e o bem-estar emocional delas.

Um levantamento feito pelo Índice Fora das Sombras (Out of the Shadows) em 2022 estima que anualmente  mais de 400 milhões de crianças são expostas à violência sexual no mundo. O ranking avalia o enfrentamento à exploração e ao abuso sexual de crianças e adolescentes em 60 países, incluindo América Latina e Caribe. Os dados do anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 apontam que o Brasil registrou 74.930 casos de violência sexual em 2022 —  o que revela uma média de 205 casos por dia. Entre os reportados de estupro no mesmo ano, 82,7% foram cometidos por pessoas conhecidas e membros da família das vítimas. Identificar a violência sexual é o passo inicial para denunciá-la.

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) indica que as escolas têm um papel fundamental na proteção de crianças e adolescentes. Leiliane Rocha, psicóloga especializada em educação sexual, explica que é preciso criar um ambiente seguro para ouvir, acolher e ensinar, e que esse espaço precisa ser de total confiança.

A professora Jeanete Lima, coordenadora sul-americana do projeto Quebrando o Silêncio, enfatiza que os professores são agentes importantes para a proteção e desenvolvimento na educação sexual infantil: "Quando o professor abre o diálogo para que as dúvidas sejam sanadas, ele dá a oportunidade para que as crianças  tenham um espaço de confiança para se expressarem", detalha.

ORIENTAÇÃO É PROTEÇÃO!

A educação sexual precisa começar na infância. A professora de ensino infantil Anne Medeiros explica que "muitos se aproveitam da inocência das crianças para cometerem abusos. E conhecimento é proteção!", assegura ela. Os pais e responsáveis podem contribuir de diversas formas em casa e isso pode ser feito, por exemplo, durante os momentos de cuidados pessoais diários. "Para que as crianças estejam prontas para agir quando algo ruim acontecer, é preciso treinar!", complementa Anne.

Uma pesquisa realizada em 2017 pela Bayer com pessoas com idades entre 15 e 25 anos de todas as regiões brasileiras verificou que apenas 8% dos jovens recorrem aos pais quando querem tirar dúvidas sobre sexo; 60% deles preferem a internet, enquanto 15% dos entrevistados procuram os amigos.

No entanto, para identificar e ser um canal de comunicação com uma criança, é importante construir um relacionamento de confiança com ela. "Todo cuidado é pouco. Converse com a sua criança em toda oportunidade. Você precisa ser um porto seguro para ela. Não importa o que aconteça, ela sempre vai correr para você, nunca de você!", ressalta Anne.

Algumas estratégias podem ser utilizadas em casa através de conversas que simulem situações em que a criança esteja correndo algum risco de abuso. Tais como:

1. Dizer NÃO! Para que a pessoa pare o que está fazendo.

2. ⁠Gritar para assustar a pessoa que tem má intenção.

3. ⁠Correr o mais rápido que puder de perto dessa pessoa.

4. ⁠Procurar ajuda e contar tudo o que aconteceu para alguém de confiança.

EDUCAÇÃO SEXUAL E SEXUALIDADE NA INFÂNCIA

Embora possa ser motivo de receio para muitos pais e cuidadores, a relação entre educação sexual e estímulo à atividade sexual em crianças vai contra evidências verificadas em pesquisas.  Em 2019, o documento "Orientações técnicas internacionais de educação e sexualidade", publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação em conjunto com outras instituições, examinou programas de educação sexual em diferentes países e os resultados mostram que sua implementação nas escolas não resultou na antecipação da iniciação sexual de crianças e adolescentes em nenhum deles.

Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA ), ao considerar meninas entre 10 e 19 anos, o Brasil é um dos países da América Latina com a maior prevalência de gravidez na adolescência, com índices de 14%, em relação ao Paraguai, que possui 15% de incidência, e Equador e Colômbia, ambos com 18%.

Os dados demográficos sobre gravidez na adolescência mostram que esse fenômeno está relacionado a situações de vulnerabilidade presentes na vida de parte das meninas e de meninos que vivenciam a maternidade e a paternidade precoce. O UNFPA também aponta que um dos fatores determinantes para a gravidez na adolescência é o baixo acesso à educação de qualidade. A Organização Mundial da Saúde também já analisou mais de mil relatórios sobre os efeitos da educação sexual no comportamento de adolescentes, e já comprovou que quanto mais informação de qualidade sobre sexualidade, mais tarde os adolescentes iniciam a vida sexual.

Sendo assim, abordar educação sexual nas escolas também é uma forma de enfrentamento da violência sexual contra crianças. Anne Medeiros explica que é preciso nomear corretamente as partes do corpo. A educadora também pontua que "se a criança conhece a parte íntima como flor, e relatar que alguém está cheirando a flor dela, não imaginaríamos que seria um caso de abuso. Dar informações corretas pode salvar as nossas crianças!". Ela ainda reforça que quando as crianças aprendem o que são suas partes íntimas e privadas, isso pode ajudá-las a discernir quando algo inapropriado está acontecendo.

De forma didática, pais e cuidadores podem ajudar a criança a identificar o que são as partes íntimas e as partes privadas do próprio corpo:

  • Parte íntima: conhecidos como os órgãos genitais, são protegidos por uma roupa "especial". Para as meninas, existe a calcinha, que protege a vulva; e para os meninos, existe a cueca, que protege o pênis; e ambos protegem o bumbum.
  • Parte privada: são as partes do corpo em que as pessoas podem ver, mas que não podem ficar tocando. Essas são protegidas por roupas comuns:  barriga, coxa, virilha, etc. A boca também é uma parte privada do corpo e não deve ser beijada por ninguém. beijo é um carinho exclusivo de adulto, não de criança.

QUEBRANDO O SILÊNCIO

Proteger as crianças é uma responsabilidade que exige cooperação entre família e escola, mas a comunidade também pode se envolver e fazer a diferença, assim como instituições religiosas.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia promove anualmente o Quebrando o Silêncio, um projeto educativo e de prevenção contra o abuso e a violência doméstica realizado  em oito países da América do Sul. O tema deste ano é o combate contra a violência e o abuso infantil. A coordenadora sul-americana do projeto, Jeanete Lima, ressalta a importância de iniciativas como esta para a comunidade: "A violência se alimenta da desinformação. Quanto mais ações e formas de combate existirem, melhor!", afirma.

Oferecer uma revista, distribuir folhetos, fornecer informações e contatos para buscar ajuda: todas essas formas de intervenção são válidas na luta contra a violência. Jeanete ainda explica que o objetivo do trabalho é reduzir não apenas as estatísticas, mas principalmente o sofrimento daqueles que foram vítimas de diferentes formas de violência.

O Quebrando o Silêncio também foi criado para incentivar a
participação da comunidade, destacando a importância
de um esforço conjunto para enfrentar e prevenir a violência.

O PAPEL DOS LÍDERES E INSTITUIÇÕES

A psicóloga Leiliane Rocha também aponta que para cada idade existe uma abordagem a ser feita. Professores e líderes podem ensinar sobre educação sexual com brincadeiras e dinâmicas. "Já participei de muitas oficinas, conversas e palestras com crianças e adolescentes. É imprescindível utilizar linguagens diferentes para cada público", destaca. Ela também frisa a relevância de utilizar dinâmicas envolventes para estimular a participação deles.

Para isso acontecer é fundamental que professores, líderes de ministérios e coordenações sejam capacitados, tenham conhecimento dos métodos adequados e atuem com as famílias. Leiliane diz estar feliz ao perceber que muitas instituições de ensino já realizam um trabalho potente nesta causa. "Família, escola, igreja, ONGs, toda sociedade precisa se comprometer com esta causa. É urgente!"

EDUCAÇÃO ADVENTISTA

A Educação Adventista adota diversas iniciativas de prevenção e combate à violência ao longo de todo o ano letivo e trabalha lado a lado com as campanhas do projeto Quebrando o Silêncio, levando informação e acolhendo os alunos.

O trabalho, no entanto, vai além da sala de aula. Jeanete ressalta que os pais também são envolvidos. "Esse projeto não é só da escola; é, sobretudo, da família, porque é em casa que tudo começa", descreve.

Há outras ações que as escolas promovem para ajudar no combate ao abuso infantil. "Nós oferecemos capacitações para os profissionais da Educação Adventista, em que eles recebem materiais de apoio, prevenção e treinamento. Eles, então, promovem essas ações em suas respectivas áreas", esclarece a coordenadora.

DENUNCIE!

O Disque 100 (Disque Direitos Humanos) registrou nos quatro primeiros meses de 2023 mais de 17 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes. Este é um canal disponibilizado pelo Governo Federal, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que funciona 24h, inclusive aos sábados, domingos e feriados. As denúncias de abusos e suspeitas de abuso podem ser feitas de forma anônima.

Fontes:
​​INSTITUTO LIBERTA. Índice Fora das Sombras 2022. Instituto Liberta, 2022. Disponível em: https://www.childhood.org.br/indice-fora-das-sombras/. Acesso em: 26 jun. 2024.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf. Acesso em: 26 jun. 2024.

BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Lei nº 8.069, 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União. ano 1990, Disponível em: https://cutt.ly/yECVBmB. Acesso em: 26 jun. 2024.

CURSO DE LIDERANÇA MINISTÉRIO DA CRIANÇA- Módulo 4. Orientações sobre sexualidade e identidade. Documento em formato eletrônico. Issuu. Disponível em: https://issuu.com/webdsa/docs/curso_de_lideran_a_n7_m4_minist_rio_da_crian_a. Acesso em: 26 jun. 2024.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Orientações Técnicas sobre Educação Sexual. Documento em formato PDF. Disponível em: https://popdesenvolvimento.org/images/documentos/ONU2018_OrientacoesTecnicasSobreEducacaoSexual.pdf. Acesso em: 26 jun. 2024.

UNFPA BRASIL. Brasil ainda apresenta dados elevados de gravidez e maternidade na adolescência. Artigo de notícia. Disponível em: https://brazil.unfpa.org/pt-br/news/brasil-ainda-apresenta-dados-elevados-de-gravidez-e-maternidade-na-adolescencia. Acesso em: 26 jun. 2024.

FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO. Precisamos superar o mito de que educação sexual pode erotizar. Artigo de notícia. Disponível em: https://futura.frm.org.br/conteudo/midias-educativas/noticia/precisamos-superar-o-mito-de-que-educacao-sexual-pode-erotizar. Acesso em: 26 jun. 2024.

MINISTÉRIO DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS (MDH). Disque 100 registra mais de 17,5 mil violações sexuais contra crianças e adolescentes nos quatro primeiros meses de 2023. Artigo de notícia. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/disque-100-registra-mais-de-17-5-mil-violacoes-sexuais-contra-criancas-e-adolescentes-nos-quatro-primeiros-meses-de-2023. Acesso em: 26 jun. 2024.