Ao longo de seus 20 anos de existência, o projeto Quebrando o Silêncio ajudou a reescrever histórias de pessoas que viveram dias sombrios, angustiantes, de medo e aflição diante das mais variadas formas de violência. Agora, elas compartilham como, influenciadas por essa iniciativa, conseguiram enxergar que as relações abusivas em que estavam deveriam terminar, e que episódios do passado, embora não pudessem ser apagados, precisavam ser superados.
No começo, tudo era muito bom. Todo mundo gostava dele. Era alguém muito agradável com as pessoas e sabia como cativar. Fiquei grávida antes do casamento. Foi um erro, pois namorei por pouco tempo e não o conhecia muito bem. Em seis meses nos casamos. Pouco antes do nosso filho nascer, ele já começou a ficar estranho. Com o passar dos dias, se tornou extremamente grosseiro, ignorante e começou a querer bater naquela criança. Eu não permitia!
Medo e vergonha
Em dado momento, fui para a casa da minha mãe e meu marido foi atrás de mim. Sem saber a realidade e como eu era tratada em casa, minha mãe ficou com pena dele. Ela pensava que estava tudo bem, e que eu era o problema.
Eu não queria voltar, mas descobri que estava grávida novamente. Durante a gestação, meu esposo se tornou uma pessoa fantástica, mas depois que nosso segundo filho nasceu, as coisas foram só piorando.
Quando os meninos já estavam grandinhos, comecei a levá-los à igreja, mas meu esposo não gostava nada disso. Logo, começou a dormir com uma arma debaixo do travesseiro e dizia que se eu me separasse, ele ficaria com as crianças. Por medo e pelos meus filhos, continuei naquela situação. Eu tinha vergonha do que eu vivia e tentava esconder de todos.
Após um tempo, nos mudamos para um sítio no Norte do Brasil. Ficávamos muito sozinhos e as brigas eram intensas quando ele estava em casa. Uma noite, depois que tínhamos brigado, eu ressaltei que queria voltar para São Paulo. Lá eu poderia trabalhar, mas ele disse que não. Falou que eu tinha que ficar ao lado dele, pois precisava de ajuda para conter o vício em pornografia e prostitutas. Fiquei chocada.
Eu estava decidida a me separar. Pedi para ele vender o sítio e fiquei na casa da minha tia com meus filhos. Depois da venda do sítio, voltamos para São Paulo, mas não consegui me separar. Em determinada ocasião, ele me puxou pelos cabelos, me empurrou para o sofá e pendurou minha cabeça no encosto de forma que a minha cabeça ficou para baixo, torceu e apertou a minha garganta.
Em seguida, ele procurou os irmãos da igreja, disse que eu tinha me separado dele e que ele queria um estudo bíblico e ser batizado. Assim aconteceu. Ele se tornou uma ótima pessoa aos olhos dos outros, mas dentro de casa continuava grosseiro, estúpido e agressivo. Logo, começou a agredir os meninos.
Livre de culpa
Fomos morar em um sítio novamente, mas ele só ficava na cidade e me deixava trancada em casa para não poder ir à igreja com os meus filhos. A solução era assistir aos cultos pela TV. Um dia, na cozinha ouvindo o programa da Darleide Alves no rádio, uma convidada falou sobre o abuso emocional e físico que algumas mulheres sofriam de seus companheiros.
Naquele momento, foi como se ela falasse para mim. Ela estava descrevendo a minha vida. A especialista falava das mulheres que se sentem culpadas e para baixo. Dizia que, geralmente, o companheiro vive em um ciclo vicioso. Ela contou que eu não tinha culpa, que Deus não tolerava esse tipo de coisa, que ele deveria ser denunciado, que eu não poderia ficar calada.
Essa história durou 19 anos! Foram 19 anos de sofrimento! No entanto, vi a mão de Deus agir na minha vida quando tomei a iniciativa de me levantar e ter coragem para denunciar.
Muitas coisas aconteceram, mas depois de tudo o que passei, Deus me concedeu um presente: meu atual esposo, que me ama e cuida de mim. Ele é uma bênção de Deus.