Quebrando o Silêncio

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Bullying não é brincadeira

"Descobri o bullying aos 11 anos”, lamenta Stéphany (nome fictício), que no fim da infância percebeu o que palavras e ações depreciativas podem fazer. Para ela, aquilo não foi uma “besteirinha”, expressão frequentemente usada por quem vivenciou situações como essa, mas não se sentiu prejudicado de forma grave. O termo bullying ganhou notoriedade nos últimos […]


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"Descobri o bullying aos 11 anos”, lamenta Stéphany (nome fictício), que no fim da infância percebeu o que palavras e ações depreciativas podem fazer. Para ela, aquilo não foi uma “besteirinha”, expressão frequentemente usada por quem vivenciou situações como essa, mas não se sentiu prejudicado de forma grave.

O termo bullying ganhou notoriedade nos últimos anos e está diretamente relacionado às agressões verbais ou físicas direcionadas a alguém, sem que haja um motivo específico. Elas geram humilhação e ocorrem geralmente contra pessoas com baixa capacidade de defesa. Como resultado, várias dessas vítimas carregam traumas para a vida adulta.

“O ambiente escolar é um dos que mais concentram casos de bullying”, afirma a psiquiatra Alexandrina Meleiro, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Por isso, identificar o que acontece nas dependências de uma instituição de ensino pode ajudar a evitar tragédias e a educar crianças e adolescentes sobre a forma correta
de tratar o próximo.

COISA SÉRIA

De origem inglesa, bully significa “valentão” ou “briguento” e define o que quase 21% dos estudantes brasileiros praticam no ambiente escolar, segundo pesquisa do Ministério da Saúde e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em parceria com a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Metade dos entrevistados não soube dizer por que dispara ofensas gratuitas aos colegas.

Os motivos da chacota são muitos. As características físicas costumam estar no topo da lista. Peso, altura, cor da pele, sotaque, orientação sexual, religião e local de origem, tudo isso pode acabar servindo de pretexto para a prática desse tipo de violência.

No caso de Stéphany, o motivo das “brincadeiras” foi sua gagueira. “Começou quando mudei de cidade e fui para uma escola nova. Ali havia um menino que vivia falando coisas ofensivas para mim e outros colegas”, conta.

De acordo com a doutora Alexandrina Meleiro, a forma como o bullying na escola afeta os alunos “vai depender da estrutura emocional de cada adolescente ou criança. Em alguns casos, isso pode ter uma consequência mais séria e acabar prejudicando a autoestima de alguém”. Segundo a psiquiatra, esse comportamento favorece a reação depressiva, que leva a sentimentos de desesperança, pensamentos de agressividade e impulsividade, podendo chegar ao suicídio.

NO LUGAR DO OUTRO

Assim que se sentiu incomodada com as falas do colega, Stéphany imediatamente procurou a mãe, que decidiu reclamar junto à direção do colégio. No entanto, nenhuma providência foi tomada. Porém, para a garota, o grande baque veio alguns anos depois, quando uma professora orientou outro aluno a não fazer um trabalho em grupo com ela. “Eu a ouvi dizer para que ele não me convidasse, porque minha gagueira atrapalharia a apresentação. Foi a pior coisa que ouvi”, sublinha.

Para ajudar quem enfrenta esse tipo de circunstância, o psicólogo Eduardo Araújo, que atua diretamente com
adolescentes, desenvolveu dois projetos. Um deles se chama “Intervenção”. Durante seis semanas, adolescentes de uma escola particular participaram de reuniões em grupo para aprender a se colocar no lugar do outro. As atividades ajudaram os estudantes a desenvolver melhor suas habilidades sociais. Esse processo fez com que as situações de bullying e a falta de confiança entre alunos e professores fossem praticamente eliminadas.

A psicopedagoga Marisa Silvana ressalta que a prevenção do bullying na escola começa com a observação. Quando se depara com alguma agressão física ou psicológica entre os alunos, o corpo docente deve ser preparado para lidar com isso. A partir de então, é preciso seguir com atividades que promovam empatia entre as crianças e os adolescentes, identificando quem são as vítimas mais frequentes e protegendo-as de possíveis situações de vulnerabilidade. Marisa ainda destaca que esse olhar de prevenção não pode se restringir aos professores, mas envolver toda a comunidade escolar.

VÁLVULA DE ESCAPE

Essa relação entre professores, gestores e alunos precisa ser de confiança. No entanto, na história da Stéphany, a realidade foi bem diferente. A “validação” de todos os comentários que ela ouvia veio da boca de uma docente que, além de não ter resolvido a situação anterior, agravou o quadro. De acordo com o psicólogo Eduardo Araújo, se a vítima não sente que haverá, de fato, alguma ação para solucionar o drama que se passa naquele ambiente, ela se retrai ainda mais, evitando assim expor seu sofrimento para qualquer outro adulto.

Tendo em vista que o constrangimento vivido diariamente parecia não ter fim, aos 15 anos Stéphany fez sua primeira tentativa de suicídio. Os cortes no pulso foram o primeiro grito por socorro. “O problema é quando você passa a acreditar em tudo aquilo que falam para você”, desabafa.

Depois desse episódio, ela começou a ter acompanhamento profissional. Porém, para buscar ajuda de um psiquiatra, Stéphany teve que vencer o próprio preconceito de que aquilo era coisa para doido. “O que influencia muito é a falta de conhecimento que a gente tem dessa área”, reconhece. Ela foi diagnosticada com distúrbio bipolar e sociopatia e teve que se adaptar à medicação.

VIGILÂNCIA CONSTANTE

Contudo, as piores experiências ainda estavam por vir. “Comecei a me machucar, e isso é muito mais comum do que a gente pensa”, destaca. Para ela, o diferencial foi ter pais sempre atentos ao que acontecia. Em seu aniversário de 20 anos, porém, Stéphany decidiu que precisava aliviar sua crise mais intensa. Tomou uma cartela inteira de medicamento controlado. Foi imediatamente internada e sobreviveu. “Não foi uma coisa planejada. Ninguém quer morrer”, garante

Stéphany lamenta não ter começado o tratamento antes. “Foi ruim, mas hoje sou outra pessoa”, assegura, ao dizer que os dias mais sombrios ficaram para trás. Apesar de viver uma vigilância diária, o conhecimento acerca do problema e o controle sobre seus gatilhos (pessoas, ambientes ou situações que levam ao pânico ou comportamentos maléficos) fazem com que há pouco mais de um ano ela venha levando uma vida diferente.

 

ANNE SEIXAS é jornalista

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